DÁ INSTRUÇÃO AO SÁBIO, E ELE SE FARÁ MAIS SÁBIO AINDA; ENSINA AO JUSTO, E ELE CRESCERÁ EM PRUDÊNCIA. NÃO REPREENDAS O ESCARNECEDOR, PARA QUE TE NÃO ABORREÇA; REPREENDE O SÁBIO, E ELE TE AMARÁ. (Pv 9.8,9)

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Ler e Compreender: Atos necessários à Exegese

Papiro 75a

A “exegese bíblica é a extração, explicação, narração ou interpretação dos textos bíblicos”. No entanto, o comentário da perícope bíblica, tradicionalmente chamado de exegese, somente é realizado pelo exegeta após a compreensão do texto em análise. Portanto, antes de explicar o texto é necessário compreendê-lo. Essa dimensão da interpretação foi captada maestricamente pelo filósofo do sentido, Paul Ricoeur, quando afirmou que “a exegese se propõe a compreender um texto a partir de sua intenção, sobre o fundamento daquilo que esse texto significa”.[1] Logo, a exegese quanto ciência da interpretação, se ocupa da compreensão e explicação do texto; isto é, do entendimento, elucidação do cuntextum, de sua trama, contextura e das conexões lógicas que existem entre as diferentes partes do texto a fim de torná-lo coerente. De acordo com James R. White, a exegese é o processo de compreender o texto da Bíblia em seu próprio contexto.[2] Isto posto, dois binômios são necessários à tarefa da exegese: compreender e explicar. O primeiro procede da investigação metódica e conscienciosa do exegeta, enquanto o segundo, do resultado derivado da análise.

Ao afirmarmos que a Exegese é a ciência da compreensão e explicação de textos, isto quer dizer que devemos acima de tudo entender que na prática existe um abismo entre “ler” ecompreender, embora no grego neotestamentário as duas palavras estejam etimologicamente relacionadas. É possível ler um texto das Escrituras e não compreender o sentido ou a mensagem do mesmo. O eunuco de Atos 8.30-35 lia mas não compreendia. Vejamos rapidamente esse pormenor. Embora não perceptível na língua portuguesa, no grego do Novo Testamento, Filipe usa dois verbos cognatos: ginōskeis traduzido pela ARA e TEB por “compreender”, NVI por “entender”, mas por extensão “ter ou tomar conhecimento”; e, anaginōskeis , procedente da preposição ana que em composição inclui o sentido de “sobre”, e ginōskō , traduzido em diversas passagens por “saber”, “conhecer”, “vir a conhecer”, “entender”, “compreender” (Mt 13.11; Mc 4.13; Jo 8.32, 43; 14.7). O significado primário de anaginōskeis é “lendo em voz alta” e, o uso do verbo no imperfeito no versículo 28 (aneginosken), descreve uma ação inacabada, que está em curso ou duração; por essa razão, Filipe ouvi-o lendo o profeta Isaías (v.30) – não é sem razão que os gregos ainda hoje usam o termo anagnostikós como referência ao gosto pela leitura.

À semelhança da leitura orante da Bíblia, à maneira de Carlos Mesters [3], Filipe interroga o eunuco: “Compreendes o que vens lendo?” O termo que define o sentido de compreender” participa do mesmo campo semântico do vocábulo que determina o significado de “leitura”; pressupondo que a leitura deve nos conduzir a uma compreensão do texto, e que o próprio ato de ler leva-nos ao de compreender. Compreender, portanto, é alcançar por meio da inteligência o significado daquilo que se está lendo. Quando compreendemos o que estamos lendo, percebemos as intenções de quem escreveu e entendemos aquilo que está contido no texto.

A resposta do etíope não deixa de ser menos esclarecedora. Principalmente pelo vocábulo que o historiador usa para descrever a resposta do leitor interessado. O termo grego, traduzido por “explicar” na ARA e “ensinar” na ARC, é hodēgēsei, procedente do verbo hodēgeō, que significa “guiar”, “liderar”. O texto ipsis litteris quer dizer: “Como posso entender se alguém não me guiar”. “Guiar” na compreensão do texto. “Guiar” na exata interpretação do conteúdo, tal qual traduziu a TEB: “E como poderia eu compreender, se não tenho guia?”. Nunca é demais repisar que a leitura de um texto é o primeiro passo para compreendê-lo.

Por conseguinte, a leitura exegética do texto bíblico é, inicialmente, diacrônica, pois está interessada no desenvolvimento histórico do texto, depois, sincrônica, pois situa-se no centro de origem lingüística, histórica e social a que está inserido.

Por fim, apresenta ao homem e a igreja contemporânea a mensagem das Escrituras conforme as suas interrogações e dilemas. Filipe explica o texto ao eunuco etíope e, a partir do contexto do profeta Isaías, “anunciou-lhe a Jesus” (At 8.34,35).

Exegese e a Evangelização

A explicação e narração do texto sagrado foram além do invólucro dos sinais semânticos e das sínteses culturais, que às vezes estão longe da cultura e dos problemas daquele que ouve. Essa superação interpretativa na prática da evangelização mostra-nos que uma leitura significativa das Escrituras não é apenas documental e acadêmica, mas também, e, principalmente, evangelística e pastoral.

A leitura e comp reensão das Sagradas Escrituras devem conduzir o homem a Deus,por meio de Cristo, o LOGOS ENCARNADO. Qualquer leitura crítica da Bíblia que afaste o homem de Cristo ou da fé apostólica não cumpre os propósitos pelo qual o Verbo de Deus se manifestou (Jo 1.14).

Shökel sabiamente afirma que "a Palavra de Deus não é apenas uma informação religiosa, uma informação sobre Deus; é Deus mesmo se autocomunicando, mais ainda se auto-revelando". [4] Deus revela-se por meio do Verbo Encarnado, o Logos Theou, como também mediante a Sagrada Escritura, a revelação epistemológica. Filipe, a partir das Escrituras, anunciou o nosso Senhor Jesus ao etíope (At 8.35). O propósito pelo qual interpretou a Palavra de Deus segue-se imediatamente ao fechamento da narrativa lucana: "desceram ambos à água, tanto Filipe como o eunuco, e o batizou" (At 8.38). A interpretação das Escrituras nessa perícope cumpriu certos propósitos evangelísticos e poemênicos. Isto não quer dizer que a exegese e hermenêutica bíblica limitam-se à evangelização e ao pastoreado, pelo contrário, mas que a ciência bíblica de análise e interpretação do texto sagrado não deve omitir-se na tarefa de conduzir o homem a Deus, por meio de Cristo, pois a Palavra de Deus não é conceito para a mente, mas vida para o coração.

A exegese, como metodologia da ciência bíblica, deve promover, por meio da interpretação, o encontro entre o homem e Deus. No dizer de Weiller, "a dialética da distância e da proximidade" devem ser aproximadas:

O texto escrito só produz seu verdadeiro sentido como Palavra do Deus vivo no encontro e na tensão destes dois pólos históricos. Uma releitura fiel e engajada da Bíblia, a partir do Espírito que a anima (cf. Jo 14.26), faz explodir o potencial criador da Palavra de Deus, fonte geradora da verdadeira vida. [5]

Uma leitura bíblica que podemos chamar de eficaz ou científica é aquela que usa uma metodologia capaz de conduzir o leitor ao correto significado do texto. Assim sendo, tal qual Filipe, a exegese se propõe a conduzir, liderar, ou guiar o estudante das Escrituras na compreensão ou entendimento do texto bíblico. Conforme a concepção de Schnelle, a exegese é um processo de leitura, aprendizado e compreensão dirigido metodologicamente, cujo objetivo é realizar um inventário das dimensões históricas e teológicas dos textos.[6]


[1] RICOEUR, Paul. Hermenêutica y estructuralismo. Buenos Aires: Ediciones Megápolis, 1975, p.7.

[2] WHITE, J.Robert. Scripture alone: exploring the Bible’s accuracy, authorith, and authenticity. Minesota: Bethany House Publishers, 2004, p. 80.

[3] MESTERS, Carlos. Reflexões sobre a mística que deve animar a leitura orante da Bíblia, p.100-4. In ESTUDOS BÍBLICOS 32. ANTONIAZZI, A.;GRUEN, W. (orgs.). Métodos para ler a Bíblia. Petrópolis, São Leopoldo: Vozes, Editora Sinodal, 1991.

[4] SCHÖKEL, L.A.;SICRE DIAZ, J.L. Profetas. Madri: Ediciones Cristiandad, 1980, Comentário – 1, p.17.

[5] WEILLER, L. A mulher na Bíblia

[6] SCHNELLE, Udo. Introdução à exegese do Novo Testamento. São Paulo: Edições Loyola, 2004, Bíblica Loyola – 43, p. 178.

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